Arquivo para janeiro, 2010

O papagaio que sabia dizer “Ave Maria”

terça-feira, janeiro 19th, 2010

 

Ao voltar-se surpreso, Irmão Bartolomeu viu o papagaio saindo pela janela oposta. Ainda gritou, chamando-o de volta, mas ele já voava contente por cima das árvores. Péssima hora para escapar…

 

papagaio

 

Autora: Mariana Morazzani Arráiz

 

O ambiente alegre e festivo de uma antiga feira medieval era contagiante: centenas de pessoas, adultos, jovens e crianças, moviam-se continuamente, falavam, cantavam, gesticulavam, discutiam preços ou simplesmente se distraíam. Iam lá para comprar? Para comer? Ou só para ver as novidades? Tudo isso e algo mais. Nessas feiras podia-se encontrar de tudo.

 

Em uma tenda, um estrangeiro de longa barba escura vendia tecidos preciosos das mais variadas cores; ao lado, um ferreiro demonstrava a qualidade de suas facas (“Veja, freguesa, nunca perdem o fio!”); mais adiante, um gordo e bonachão açougueiro, com avental todo salpicado de vermelho, pesava uma porção de carne numa balança de precisão duvidosa.

 

E além das vozes e idiomas que se misturavam, das crianças que choravam e dos vendedores que apregoavam suas mercadorias, sons de todos os instrumentos enchiam os ares, pois música é o que não faltava nessas ocasiões…

 

* * *

 

Naquele dia, caminhava em meio à colorida e movimentada multidão um homem barbado de meia-idade, baixa estatura, um tanto calvo e bem magro. Trajava uma surrada túnica marrom, com um cordão atado à cintura, e parecia ser muito estimado na região, pois quase todos o cumprimentavam cordialmente, e ele respondia da mesma forma. Por uns instantes, parava para conversar com o padeiro e metia dois pães na grande sacola que trazia; pouco além, pegava um queijo; mais alguns passos, uma dúzia de maçãs; noutra tenda, três repolhos. Mas – coisa curiosa! – ele a ninguém pagava um centavo sequer.

 

Como explicar isso? É que o bom homem, um irmão leigo franciscano conhecido pelo nome de Frei Bartolomeu, recolhia doações para seu mosteiro.

 

Depois de percorrer boa parte da feira e ter sua sacola quase cheia, foi despedir-se de um antigo conhecido. O velho Simão não comercializava alimentos nem tecidos, mas sua loja estava sempre cheia de gente curiosa. Ele vendia aves canoras e decorativas.

 

– Bom dia, Simão! Que novidades você tem hoje?

 

– Olá, Irmão Bartolomeu! Infelizmente o senhor chegou tarde… Hoje cedo vendi um belo pavão para a senhora condessa. Que animal mais lindo! Estou certo de que o senhor teria ficado encantado de vê-lo.

 

Enquanto falava, o velho tirava um pequeno papagaio de dentro de uma gaiola e o punha sobre a mesa. O pássaro, no entanto, ficou parado, sem fazer qualquer tentativa de fuga. Parecia um pouco tonto, pois balançava- se para um lado e para outro.

 

– E este bichinho? – perguntou o monge.

 

– Ah, este está muito doente, acho que vai morrer, e não tenho paciência nem tempo para cuidar dele. Estou pensando em torcer-lhe o pescoço, para abreviar-lhe o sofrimento.

 

– Oh, não faça isso! Por que não o dá para mim?

 

– Ora, Irmão, sei que muitas vezes falta comida aos pobres monges, mas o senhor estará querendo cozinhar um papagaio? – perguntou surpreso o velho Simão.

 

– Claro que não! Dê-me a avezinha, eu vou alimentá-la e tratar dela.

 

– Pois não, pois não, Irmão. Nada tenho a perder com isso. Aqui está. É até um favor levá-lo.

 

Isto dizendo, entregou-lhe o pássaro enfermo.

 

* * *

 

Sob os cuidados do bondoso irmão, o papagaio refez-se e cresceu, revestindo-se de uma nova e vistosa plumagem verde. E logo, fazendo jus aos atributos de sua raça, começou a imitar o que falavam os monges. Animado, irmão Bartolomeu começou a ensinar-lhe a Ave Maria.

 

– Que é isso, Irmão? Quer ensinar catecismo ao pássaro? – gracejou outro monge.

 

– Ora, não é bonito ver o animalzinho repetir a Saudação Angélica?

 

E falava alto: “Ave Maria!” E o papagaio repetia com seu “sotaque” característico: “Ave Maria!”

 

Passando por ali nesse momento, o Padre Guardião do convento também sorriu ao ver o Irmão Bartolomeu no seu labor de ensinar o pássaro. E o preveniu:

 

– Cuidado com seu “aluno”, Irmão, pois esta tarde anda pelo vale Jacques, o falcoeiro!

 

De fato, olhando pela janela, Irmão Bartolomeu pôde vê-lo à distância. Ele tinha sérias razões para não gostar do falcoeiro. Jacques sabia que em volta do mosteiro franciscano sempre voavam pássaros de várias espécies, pois o lugar silencioso e pacífico lhes servia de abrigo. Assim, quando a caça andava fraca nos vales da região, ele terminava seu percurso próximo ao convento, certo de encontrar presas fáceis e desavisadas nos telhados dos frades.

 

Muitas vezes Bartolomeu tinha visto as mais brancas pombas perecerem despedaçadas nas garras dos falcões. Mas o que mais lhe doía era o fato de Jacques ser um mau cristão que freqüentava tabernas e escarnecia da fé popular.

 

Estava o frade imerso nessas lembranças, quando de repente um aviso o chamou de volta à realidade:

 

– Cuidado, Irmão Bartolomeu, o papagaio fugiu!

 

Ao voltar-se surpreso, viu o vulto verde saindo pela janela oposta. Ainda gritou, chamando-o de volta, mas ele já voava contente por cima das árvores. Péssima hora para escapar… O bom frade já via, ao longe, um grande falcão que, voando em círculos à procura de alguma presa, subitamente avistou o papagaio e se precipitou sobre ele como uma flecha. Em vão o Irmão Bartolomeu procurou adverti-lo, o pequeno pássaro nem sequer ouvia sua voz.

 

Quando este, afinal, deu-se conta do perigo, já era tarde demais: o falcão já estava sobre ele. Apavorado, o papagaio não teve senão a reação instintiva de gritar tão forte quanto podia:

– Ave Maria!

 

Qual não foi a surpresa de todos quando, mal esse brado saíra do bico da espavorida ave, viram o falcão precipitar-se morto por terra, como se tivesse sido fulminado por um raio!..

 

(Revista Arautos do Evangelho, Maio/2006, n. 53, p. 46-47)

 

Procurava emprego, encontrou uma mãe

terça-feira, janeiro 12th, 2010

 

Quando Jeanne-Marie saiu do hospital, sentia-se só, abandonada e sem apoio. Como único patrimônio, restava-lhe no bolso uma moeda de um franco.

 

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Autora: Elizabeth MacDonald

 

Tudo era luxo e joie de vivre nas ruas de Paris, naquele verão de 1827.

 

Nenhum ruído externo, porém, era capaz de arrancar de suas profundas reflexões uma moça de aspecto humilde e testa franzida, que caminhava com passo resoluto.

 

A jovem Jeanne-Marie, nascida num vilarejo da Bretanha, fora educada por seus pais no santo temor de Deus. Sua modesta condição a obrigara, quando ainda muito nova, a buscar emprego junto a uma rica família.

 

Desde a infância, tinha ela o piedoso costume de mandar celebrar todo mês uma Missa em sufrágio das almas do purgatório. Devendo abandonar sua vila natal para acompanhar seus patrões que se mudavam para a capital francesa, manteve-se fiel a esse ato de caridade, e assistia ela mesma ao Santo Sacrifício, durante o qual unia suas orações às do sacerdote, pedindo especialmente em favor daquela alma cuja libertação dependesse apenas de uma última prece.

 

Algum tempo depois de estabelecer- se em Paris, foi acometida por uma grave enfermidade que não só esgotou suas forças físicas, como lhe fez perder o emprego e consumiu todas as suas economias.

 

Quando, finalmente, saiu do hospital, sentia-se só, abandonada e sem apoio. Como único patrimônio, restava- lhe no bolso uma moeda de um franco. Possuía, entretanto, algo mais valioso que todo o ouro do mundo: a confiança em Deus e em Nossa Senhora.

 

Após uma fervorosa oração, dirigiu-se apressadamente a uma agência de emprego. Ao passar em frente à Igreja de Santo Eustáquio, algo a impeliu a entrar. O ambiente elevado, o som do órgão, a tênue luz que penetrava através dos vitrais, revestindo tudo de uma feeria de cores, encheram-na de paz e lhe fizeram esquecer por um momento sua dramática situação.

 

À vista de um sacerdote que se preparava para celebrar num dos altares laterais, lembrou-se de que naquele mês não havia mandado rezar a costumeira Missa pelas almas do purgatório.

 

Sempre lhe custara certo esforço reunir algumas moedas para a espórtula, mas hoje isto constituía um verdadeiro sacrifício… entregar o último franco que lhe restava equivalia a não ter mesmo com que saciar a fome naquele dia. A luta interior entre a devoção e a prudência humana foi de curta duração: logo venceu a primeira, pois Jeanne-Marie era pobre dos bens desta terra mas rica de amor de Deus.

 

Com a firme convicção de que Aquele que disse: “Olhai para as aves do céu que não semeiam, nem ceifam, nem fazem provisões nos celeiros” (Mt 6,26), não a desampararia, dirigiu- se à sacristia e, como a viúva pobre do Evangelho, entregou sua última moeda de um franco, solicitando que aquela Missa fosse celebrada na intenção de suas queridas almas do purgatório. Depois de assistir com muita devoção ao Santo Sacrifício, pôs-se novamente a caminho.

 

Sentia-se mais leve, não pelo vazio de seu bolso… mas porque, desprovida de todo recurso humano, abandonara- se exclusivamente ao beneplácito da Divina Providência. Seu coração, este sim, estava cheio. Cheio de uma nova confiança que sobrepujava certa ansiosa inquietude com relação ao futuro: qual seria seu destino? Caminhava mergulhada nesses pensamentos quando uma voz a interrompeu:

 

– Estás à procura de um emprego?

 

– Sim, senhor – respondeu, surpresa e com uma estranha sensação de estar em outro mundo…

 

– Pois bem, vai à Rua Tivoli nº 48 e fala com a Sra. Zélia. Ela está precisando de uma empregada e te receberá com bondade.

 

Não foi difícil achar a casa indicada. Chegou justamente no momento em que saía uma moça, resmungando, com um pacote embaixo do braço. Jeanne-Marie lhe perguntou se a dona da casa se encontrava.

 

– Talvez sim, talvez não! Não me interessa! Ela abrirá a porta se quiser. Não tenho mais nada a ver com isso! – respondeu ela sem se deter. Com mão temerosa, nossa pobre jovem tocou a sineta. Seu medo, porém, logo se dissipou ao ouvir uma voz doce chamando-a para entrar. Ao deparar-se com uma venerável senhora, de olhar bondoso, tomada de coragem, ela lhe expôs o motivo de sua visita:

 

– Soube que a senhora necessita de uma empregada e vim oferecer-me, pois me asseguraram que aqui seria recebida com bondade.

 

– Minha cara jovem, o que acabas de me dizer é extraordinário! Hoje pela manhã eu absolutamente não precisava de ninguém. Mas há cerca de uma hora tive de despedir uma insolente empregada, e ninguém no mundo, salvo ela e eu, sabe disso. Quem, pois, te envia?

 

– Foi um senhor ainda jovem que me parou na rua e me deu essa informação. E estou muito agradecida a Deus e a ele, pois necessito conseguir um emprego ainda hoje, já que não possuo mais um centavo sequer…

 

A distinta dama permanecia pensativa, não podendo compreender quem seria esse estranho personagem. Jeanne-Marie, erguendo casualmente os olhos, viu um quadro na parede e exclamou:

 

– É este o homem que me encaminhou para cá! Venho da parte dele!

 

Ao ouvir estas palavras, Da. Zélia soltou um grito e esteve a ponto de desmaiar. Pediu que a moça lhe contasse como fora o encontro com ele na rua. Ela narrou com simplicidade seu costume de socorrer as almas do purgatório, a Missa que mandara celebrar havia pouco e, por fim, o episódio do encontro com o jovem que se mostrava radiante de felicidade, logo ao sair da igreja. A nobre senhora ouviu tudo com atenção e, no final, disse emocionada:

 

– Não serás minha empregada, considero-te como filha! Este é meu filho… meu único filho, morto há dois anos, que deve a ti sua libertação das penas do purgatório. Em recompensa de tua generosidade, Deus lhe permitiu enviar-te aqui. Que Deus te abençoe! A partir de agora, rezaremos juntas por todos os que sofrem no lugar de purificação e dependem de uma prece para entrar na bem-aventurança eterna.

 

(Revista Arautos do Evangelho, Fev/2006, n. 50, p. 46-47)

 

O ramo seco florido

terça-feira, janeiro 12th, 2010

 

Após a absolvição, o ermitão deu alguns bons conselhos ao Conde Guilherme e acrescentou: “Meu filho, como penitência, traga-me um ramo seco florido”.

 

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Autora: Maria Teresa Ribeiro Matos

 

Há muito tempo, numa cidadezinha do antigo Reino da Baviera vivia o Conde Guilherme, nobre de corpo e de alma, possuidor de grande fortuna. Católico exemplar, tudo fazia para louvar a Deus: não faltava à Missa um dia sequer, cumpria todos os Mandamentos, dava esmolas aos pobres e protegia os desamparados. Sobretudo, queria ter sempre sua alma branca como a neve e por isso confessava com verdadeiro arrependimento todas as suas faltas, por menores que parecessem.

 

Certo dia, passeando pelo seu vasto trigal, alegrou-se muito ao ver como estava crescido. As belas espigas ondulavam ao sopro da brisa e brilhavam como milhões de pedacinhos de ouro cobrindo todo o campo. Entretanto, divisou ele no fundo daquele imenso tapete dourado uma larga mancha escura. Que seria aquilo?

 

Logo constatou tratar-se de um monte de troncos e galhos secos esmagando parte de sua plantação. Quem o teria posto aí? Seu vizinho? Sim, só poderia ter sido ele, concluiu o conde, um tanto apressadamente. Sem pensar duas vezes, chamou alguns empregados e mandou que jogassem no trigal do vizinho todos aqueles troncos e ramos. Isto feito, voltou para seu castelo e esqueceu-se do caso.

 

* * *

Chegado o tempo, a colheita foi excelente: os celeiros do conde se abarrotaram de trigo. Um peso de consciência, porém, lhe turvava a alegria: o pequeno trigal do vizinho, pensava ele, com certeza tinha produzido menos do que poderia, por causa do monte de lenha seca ali jogado por sua ordem. Como pudera ele, dono de imensas plantações, fazer essa maldade com o vizinho pobre?

 

Sinceramente arrependido por essa falta, decidiu ir sem demora confessar- se, para obter o perdão de Deus. Numa gruta próxima morava um anacoreta famoso por sua vida santa: dormia sobre a pedra dura, alimentava-se apenas de raízes e frutas da floresta e passava todo o tempo em oração. Lá se apresentou, como humilde penitente, o rico e poderoso Conde Guilherme.

 

O santo ermitão o recebeu com bondade e ouviu atentamente sua confissão. Admirou-se por encontrar um homem com tanta retidão de consciência. E tomou muito a sério a confissão, pois qualquer pecado, por menor que seja, constitui uma ofensa a Deus. Deu-lhe alguns bons conselhos e acrescentou:

 

– Meu filho, como penitência, traga-me, no prazo de um ano, um ramo seco florido.

 

Por fim, traçando um grande sinalda- cruz, deu-lhe a absolvição de todos os pecados de sua vida.

 

O conde, que tinha chegado triste e aflito, saiu com a leveza da alma purificada, disposto a cumprir a penitência, embora esta lhe parecesse muito estranha: trazer um ramo seco florido… Não seria mais razoável, pensava ele, o ermitão mandar-me retribuir ao vizinho cem vezes, ou mais, o valor do prejuízo que lhe causei? Na verdade, essa procura me parece insensata e inútil, mas, se o confessor mandou, é porque dela Deus quer tirar algum fruto. Qual será, não sei por enquanto.

 

Assim, retornando a seu castelo, trocou as faustosas vestimentas por uma túnica de rústico tecido, pegou um cajado e saiu à procura do ramo seco florido.

 

* * *

 

Andou, andou por meses… Atravessou florestas, bosques, vales, montes, aldeias e cidades. Por toda parte encontrou galhos secos; floridos, porém, absolutamente nenhum! Aqui e ali perguntava a um transeunte:

 

– Diga-me, já viu um ramo seco florido?

 

Os passantes olhavam-no com surpresa e se afastavam rindo, julgando tratar-se de um louco. Ele aceitava essas humilhações e as oferecia a Nossa Senhora para encontrar mais rapidamente o ramo seco florido.

 

Um dia em que descansava sentado num bosque, viu-se cercado por um bando de assaltantes. Homem forte e valente, o conde pôs-se imediatamente de pé, disposto a enfrentar a quadrilha inteira. Mas… não tinha arma alguma, lá estava como simples pecador cumprindo penitência. Quando notaram que sua presa não passava, na aparência, de um mendigo, os bandidos puseram-se e rir e fazer chacotas.

 

– Por que você se fantasiou de espantalho?

 

– Sou um penitente.

 

– Ah, um penitente… Certamente você incendiou aldeias, matou crianças e velhos… Diga-nos, afinal, que crimes você cometeu?

 

– Joguei um monte de árvores secas na plantação de meu vizinho, prejudicando assim sua colheita. E o confessor mandou-me, por penitência, levar-lhe um ramo seco florido no prazo de um ano.

 

Dando uma grande gargalhada, os bandidos se afastaram, à procura de presa mais lucrativa.

 

* * *

 

Um deles, porém, em vez de rir, saiu muito preocupado com o seguinte pensamento: “Por uma pequena falta, este homem recebeu dura penitência! E eu, o que mereço pelos meus roubos, assassinatos e tantos outros crimes? Quanto à justa punição nesta terra, não é difícil escapar, mas… e os castigos eternos do inferno?”

 

Movido por esse bom sentimento, o salteador voltou e fez ao penitente maltrapilho um breve relato de sua criminosa vida. No final, suplicou-lhe:

 

– Não quero morrer sem me reconciliar com Deus. Tenha pena de mim, ajude-me!

Comovido e contente por ver a graça atuando naquele miserável, o conde conduziu-o ao santo anacoreta.

 

Este os acolheu com paternal bondade. O ladrão arrependido chorava sem cessar. E o nosso penitente, também em lágrimas, disse:

 

– Reverendo Padre, aqui está um pobre homem morto, pois perdeu a vida da graça; no entanto, deseja recuperá- la, recebendo de vós a absolvição. Quanto a mim, não consigo cumprir minha penitência: depois de um ano de procura, nada encontrei que se pareça a um ramo seco florido.

 

O ermitão olhou-o com doçura e disse:

 

– Meu filho, este criminoso é um ramo seco pelo pecado, no qual nasceu a belíssima flor do arrependimento. E você foi o instrumento escolhido por Deus para plantar nele essa flor. Veja, aqui está um ramo seco florido, trazido por você!

 

O Conde exultou ao ouvir essas palavras, pois compreendeu, num relance, que Nosso Senhor havia guiado todos os seus passos durante aquele ano inteiro de caminhada incessante. E que aquela procura de um ramo seco florido – aparentemente inútil e insensata – tinha um alto objetivo: encontrar uma alma morta pelo pecado e levá-la até a fonte da vida.

 

(Revista Arautos do Evangelho, Janeiro/2006, n. 49, p. 46-47)

 

O clérigo Teófilo

terça-feira, janeiro 12th, 2010

 

Suave e caritativo na aparência, orgulhoso e desprovido de fé no seu interior, o clérigo Teófilo não resistiu à perda do cargo. E optou pela pior das soluções..

 

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Autora: Clara Penin

 

Houve certa vez um clérigo chamado Teófilo, muito conhecido na região em que vivia. Ele não fazia outra coisa senão ajudar os necessitados e todos os que a ele recorriam, praticando assim uma das mais belas virtudes, a caridade.

Sua fama crescia a cada dia; todos na cidade o tinham como grande santo. O bispo daquela região fez dele o seu vidama, ou seja, passou a ter a função de administrar os bens da diocese. Muitos chegaram a enriquecer-se nesse cargo. Teófilo, ao contrário, só procurava ajudar os outros com os seus próprios recursos.

Tendo falecido esse bispo, todo o clero e até os simples fiéis aclamavam Teófilo como sucessor. Este, porém, dizendo-se indigno do cargo, não o aceitou, sendo nomeado outro.

Não sendo homem de vida interior e vendo-se em tão honrosa situação, o novo prelado tomou-se de vaidade e prepotência. Todos sabiam que ele se tornara bispo porque Teófilo tinha recusado a dignidade. Esse era um dos motivos pelos quais ele sentia incômodo em ter Teófilo a seu lado. Então procurou um pretexto e o destituiu do cargo de vidama.

O pobre clérigo, que sempre quis ser o último em tudo, não precisava mais esforçar-se nesse sentido, pois se viu abandonado de todos. Revoltou-se então e, a cada instante, crescia seu desejo de vingança. Durante a provação, descobriu que não era aquele homem virtuoso que, aos seus próprios olhos, parecia ser. Arrependeu-se assim por ter recusado o episcopado.

Ninguém mais lhe manifestava gratidão, e isso o deixava envergonhado. Tornou- se amargurado, cheio de rancor, com o coração transbordante de ódio.

Nos tempos em que fora vidama, tinha ouvido reclamações sobre um feiticeiro que vivia no fundo da floresta. Diziam que era uma criatura ligada ao anjo das trevas. Teófilo não tinha a certeza de sua existência; tudo o que ouvira poderia ser lenda, porém pôsse a procurá-lo. Tendo-o encontrado, Teófilo não precisou dar longas explicações do que realmente queria, pois aquele misterioso homem já tinha a solução para o seu caso sem mesmo conhecê-lo.

O antigo vidama queria poder e riqueza e isso não era difícil para aquela criatura diabólica. Bastaria o clérigo vender sua alma ao demônio que tudo seria concedido: carreira, sucesso, fama e poder. Com seu próprio sangue, Teófilo assinou então um documento no qual constava que sua alma pertencia ao demônio, o qual se fez presente naquele momento com a sua horrenda aparência.

No dia seguinte, o bispo mandou chamá-lo, reconhecendo seu erro e devolvendo- lhe o cargo de vidama. Toda a cidade se alegrou com a notícia, e todos acorreram para felicitá-lo.

Teve de novo fama e poder, e isso o inebriava. Para ele não importava ser bispo ou não, pois até o prelado ele tinha em suas mãos. Mandava em todos e decidia o destino de muitos. Era tido por santo, pois era o que aparentava ser.

Passaram-se os anos e Teófilo lembrava- se, às vezes, do pacto que tinha feito. Porém, a lembrança da terrível cena o amedrontava e, com o tempo, o fato chegou a parecer-lhe irreal.

Muitas vezes recebia elogios dos que o tinham por homem bom e muito virtuoso. Mas entre esses muitos, houve um que o tocou a fundo: certo dia, um religioso a quem prestara um grande serviço, agradeceu-lhe, dizendo que ele praticava a verdadeira caridade, e que o seu nome, Teófilo – “aquele que ama a Deus” – lhe caía perfeitamente bem. Essas palavras ficaram girando em sua cabeça, pois ele bem sabia que, apesar das aparências de virtude, não amava a Deus de verdade. Perguntava-se até se alguma vez em sua vida ele tinha amado sinceramente a Deus, pois mesmo antes de assinar o pacto só pensava nos direitos que suas boas obras lhe davam de alcançar o Paraíso, e não fazia outra coisa senão calcular bem precisamente sua recompensa.

Tocado no fundo de sua alma por essas reflexões, queria ele mudar, amar a Deus por inteiro. Entretanto algo o impedia: o pacto com o demônio. Nada mais podia fazer, sua alma já não lhe pertencia, pois estava vendida ao diabo. A quem poderia recorrer nesta situação? Não lhe restava nenhuma saída, ele não conseguia sequer rezar, não tinha forças nem para dirigir-se a Deus, uma vez que pertencia ao demônio. Recorreu então à Santíssima Virgem, e lhe pediu ajuda, pois pelo pacto que havia assinado, renegara a seu divino Filho. Mentira para todos, fazendo papel de pessoa virtuosa.

Nesse momento, compadecida de tanta miséria, Nossa Senhora dirigiu seu olhar de misericórdia àquele indigente que se encontrava a seus pés. Apareceu-lhe e, ouvindo tudo o que ele tinha a confessar, fez o seu papel de Mãe: obrigou o demônio a devolver- lhe o maldito documento no mesmo instante.

Na manhã seguinte, com grande contrição e dor, Teófilo procurou o bispo e confessou o seu crime, mostrando- lhe o maldito contrato. Quis dar a conhecer a todo o povo o que havia se passado com ele, pedindo ao bispo que lesse o documento na catedral. Quando a estarrecedora leitura terminou, o pergaminho se desfez em pó à vista de todos. Finalmente Teófilo estava livre para amar, livre para servir, livre para reparar, e assim se santificar para a maior glória de Deus.

* * *

A história do clérigo Teófilo é narrada no livro “Les Miracles de Notre- Dame” de Gautier de Coincy. Muito popular no século XII, ela foi imortalizada no pórtico norte da Catedral de Notre-Dame, em Paris.

 

(Revista Arautos do Evangelho, Out/2005, n. 46, p. 44-45)

Sua Mãe, minha Mãe

segunda-feira, janeiro 11th, 2010

 

Quem me contou esta história garantiu-me ser ela verídica. Diz tê-la lido em um jornal alemão sob o título acima.

 

Maria Angélica Iamasaki

 

Era noite, todos dormiam na apertada trincheira alemã, em plena Primeira Guerra Mundial. Todos, menos um jovem soldado. Fora extremamente fatigante aquele dia, nada mais desejava ele que descansar como os seus companheiros do batalhão, que caíram num pesado sono. Contudo, uma preocupação o impedia de dormir.

Não o inquietavam os perigos de um ataque noturno do inimigo, nem os riscos da batalha no dia seguinte, mas sim o fato de ter perdido seu escapulário de Nossa Senhora do Carmo, dado por sua mãe quando partia para a guerra.

Ele se lembrava bem que naquela tarde, depois de passar por uma cidade abandonada pelas tropas inimigas, os veículos do batalhão avançaram até uma antiga casa de fazenda localizada nas proximidades, e ali acamparam. Atrás da casa havia uma torneira e um tanque de água, oferecendo ótima oportunidade para lavar-se após um dia inteiro de combates.

O jovem pendurou calmamente a jaqueta ao lado da torneira, pôs em cima o escapulário e começou a ensaboar as mãos quando… soou o alarme, estouraram tiros de morteiro, o batalhão recebeu ordem de avançar e desalojar o inimigo entrincheirado três quilômetros adiante. Mais uma hora de combate, e ei-lo ali, alojado na trincheira recém-conquistada. Mas seu precioso escapulário tinha ficado junto ao tanque.

Voltar agora para buscá-lo, era impensável. Tentou não pensar mais no assunto e dormir um pouco, mas, não conseguindo, decidiu enfrentar o risco: levantou-se discretamente, esgueirou- se por entre as sentinelas e correu até a casa da fazenda. Lá chegando, apalpou, na escuridão da noite, a torneira, os canos e objetos ao redor, o chão… nada encontrou! Quando procurava no bolso a caixa de fósforos, ouviu uma terrível explosão. O inimigo atacava, seu dever era voltar logo ao posto de combate.

Ao chegar junto à trincheira, deparou- se com uma cena espantosa: no exato lugar onde, poucos minutos atrás, dormiam seus companheiros, havia apenas uma enorme cratera. Antes de abandonar o local, o inimigo tinha armado ali uma bomba-relógio de grande poder destrutivo. Do improvisado dormitório restavam apenas objetos irreconhecíveis, lodo e rolos de arame farpado.

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Era ali que ele, há pouco, estivera deitado! Se não tivesse saído para procurar seu escapulário, também ele teria sido destroçado. Nossa Senhora do Carmo lhe havia salvo a vida!

* * *

Na manhã seguinte, qual não foi sua surpresa ao encontrar na cozinha do acampamento um companheiro de trincheira.

– Eu pensei que você também tivesse voado pelos ares!

O outro, não menos espantado de vê-lo vivo, explicou:

– De fato, eu já tinha me deitado, mas logo me levantei e fui procurar você. Enquanto andava pelo acampamento à sua procura, ocorreu a explosão.

– Bem, eu escapei por um fio de cabelo também. Mas… por que motivo você me procurava àquela hora da noite?

– Para entregar-lhe isto que você esqueceu junto ao tanque de água ontem à tarde.

Assim dizendo, devolveu ao jovem soldado o escapulário recolhido por ele na velha casa de fazenda…

 

(Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2005, n. 44, p. 47)

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